quinta-feira, 10 de agosto de 2017

As Formigas e a Cigarra - Fábula de Ambrose Bierce

Desenho de Batarda Fernandes


AS FORMIGAS E A CIGARRA



Estavam uns tantos Membros duma Assembleia Legislativa a inventariar, no fim de uma sessão, as respectivas fortunas, quando lhes apareceu um Honesto Mineiro a pedir que partilhassem com ele.

— Porque é que o senhor não adquiriu os bens que, por direito, lhe pertencem? — Perguntaram-lhe os Membros da Assembleia Legislativa.

— Porque — respondeu o Honesto Mineiro — estava tão ocupado a extrair ouro que não tive tempo para juntar coisa que se visse.

Os Membros da Assembleia Legislativa puseram-se a rir dele, dizendo:

— Se o senhor perde tempo com tão fúteis distrações, não esteja agora à espera de ter parte na remuneração por um trabalho assíduo.


***
Ambrose Bierce, Fábulas Fantásticas, 1899.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Quando a estrutura falha, a rima tenta vir em socorro - W. C. Williams

Quando a estrutura falha,
a rima tenta vir em socorro

O cavalo velho morre devagar.
Gradativamente
o fervor de suas veias
compara-se ao estiramento

das folhas, dia a dia. Mas
o passo que sua
mente mantém, é o passo
dos seus sonhos. Ele

faz o que pode, com
inabalável fleugma,
olá! mas o passo que
sua carne mantém —

inclinada, inclinada sobre
barras — mendiga
praticamente todo o passo e todos
os refúgios de seus sonhos.

William Carlos Williams
(Tradução: Jorge Wanderley)

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Quanto? — Poema de Carl Sandburg

QUANTO?

— Quanto me amas? Um milhão de alqueires?
— Oh, muito mais que isso, oh, muito mais.

— E amanhã? Talvez meio alqueire?
— Amanhã talvez nem isso.

É esta, então, a aritmética do teu coração?
— Não; é o modo como o vento mede o tempo.

Carl Sandburg

terça-feira, 2 de maio de 2017

Belchior Implodiu - poema de Herman Schmitz



BELCHIOR IMPLODIU

Belchior era apenas um rapaz Latino Americano
que subiu nos palcos, ganhou muito 
mas deixou os shows por medo de avião

Se entregou ao belo prazer de viver
Aventuras muitas, dívidas maiores
De pronto, sua voz não soava tão bem

Uma paixão pela pintura compensava
e a loucura elucubrativa e filosófica
lhe trouxe mecenas e financiadores

Adeus lucro fácil dublando a si mesmo
porque não ser o poeta de tempo integral?

Desceu os degraus ilusórios da fama
com o seu ego em busca de um fim natural
e deste modo raro, conseguiu ser a pessoa
que, renunciando em ser, mais além foi!

2017@HermanSchmitz

terça-feira, 28 de março de 2017

A Porta Aberta - Conto de SAKI


A PORTA ABERTA
SAKI
(Hector Hugh Munro -1870 1916)




— Minha tia já vai descer, sr. Nuttel — disse uma jovem dama de 15 anos, muito segura de si. — Enquanto isso, o senhor terá de me aturar.

Framton Nuttel procurava dizer algo apropriado que lisonjeasse devidamente a sobrinha no momento sem indevidamente menosprezar a tia de logo mais. De si para si duvidava, mais do que nunca, que visitas de cortesia, como essa, a uma série de pessoas estranhas, beneficiassem muito o tratamento de nervos a que pretendiam submetê-lo.

— Já sei como vai ser a coisa — dissera-lhe a irmã quando ele preparava sua retirada para aquele recanto de província. — Você vai-se enterrar ali sem falar a vivalma, e vai-se aborrecer tanto que os seus nervos ficarão piores do que nunca. Pelo sim, pelo não dou-lhe umas cartas de recomendação para todas as pessoas do lugar minhas conhecidas. Algumas delas, ao que me lembro, são bem agradáveis.

Framton perguntava a si mesmo, agora, se a sra. Sappleton, a quem vinha apresentar uma daquelas cartas, pertencia ao grupo agradável.

— O senhor conhece muita gente aqui? — perguntou a sobrinha quando julgou que já tinham tido entre si bastante silêncio.

— Quase ninguém — respondeu Framton. — Minha irmã passou aqui algum tempo na reitoria, há uns quatro anos, e deu-me cartas de apresentação para várias pessoas daqui.

Estas últimas palavras foram pronunciadas em tom de manifesto pesar.

— Então o senhor não sabe praticamente nada a respeito de minha tia? — perguntou a jovem dama, segura de si.

— Nada, a não ser o nome e o endereço — reconheceu o visitante.

Nem sabia se a sra. Sappleton era casada ou viúva. Um não sei quê indeterminável parecia sugerir a existência de homens na casa.

— Pois a grande tragédia dela ocorreu há três anos — declarou a menina —, quer dizer, após a visita da irmã do senhor.

— Tragédia? — perguntou Framton.

Naquele cantinho tranquilo de província parecia não haver lugar para tragédias.

— O senhor poderia perguntar por que deixamos esta porta-janela aberta numa tarde de outubro — disse ela, indicando uma larga porta que dava sobre um relvado.

— Está muito quente para a estação — observou Framton —, mas será que essa porta tem algo que ver com o drama?

— Foi por ela que, há três anos menos um dia, o marido de minha tia e seus dois jovens irmãos saíram para a caça. Nunca voltaram. Ao atravessarem o brejo para chegar ao seu lugar favorito, onde costumavam caçar narcejas, os três foram tragados por um pântano traiçoeiro. Naquele ano o verão tinha sido muito úmido, o senhor sabe, e trechos seguros do caminho em outros anos cediam de repente sem dizer água-vai. E — o que há de mais horrível — os corpos nunca foram encontrados.

Aqui a voz da menina perdeu o tom firme e tornou-se hesitante, humana:

— A pobrezinha da titia sempre pensa que eles um dia voltarão, eles e o pequeno sabujo castanho que com eles se perdeu, e vão entrar pela porta, como habitualmente faziam. É por isso que a deixam aberta todas as tardes, até o cair do crepúsculo. Pobre titia! Mais de uma vez me contou como eles foram embora, seu marido com o impermeável branco sobre o braço, e Ronnie, seu irmão mais moço, cantando “Bertie, por que estás pulando?”, com que habitualmente a agastava, porque ele dizia que aquilo a irritava muito. Sabe? Às vezes, em noites tranquilas, silenciosas como esta, eu tenho uma espécie de calafrio: parece-me que os vejo todos entrar por aquela porta.

Interrompeu-se, com um leve tremor. Foi para Framton verdadeiro alívio quando a tia irrompeu no salão multiplicando desculpas por não haver aparecido antes.

— Espero que Vera o tenha divertido — disse.

— A conversa dela tem sido muito interessante — declarou Framton.

— Espero que a porta aberta não o esteja incomodando — disse a sra. Sappleton com vivacidade. — Meu marido e meus irmãos vão chegar da caçada, e eles sempre entram por aqui. Hoje foram caçar narcejas no paul, e vão sujar completamente os meus pobres tapetes. São coisas de homem, não é?

Continuou a tagarelar sobre a casa e a escassez de aves e as perspectivas de haver patos no inverno. Para Framton tudo aquilo era simplesmente horrível. Fez um esforço desesperado, mas só em parte bem-sucedido, a fim de encaminhar a conversa a outro assunto menos horroroso; sentia que a dona da casa só lhe consagrava parte de sua atenção, pois seus olhares iam, sem parar, em direção à porta aberta e ao relvado. Fora, na verdade, uma coincidência infeliz que o trouxera àquela casa precisamente naquele aniversário trágico.

— Os médicos são unânimes em me aconselhar repouso absoluto, abstenção de qualquer excitação mental e de qualquer exercício físico de certa violência — anunciou Framton, que sofria da ilusão, muito espalhada, de que pessoas de todo estranhas a nós, ou conhecidas por acaso, ficam ávidas de conhecer até os mínimos pormenores de nossas doenças e enfermidades, de sua causa e seu tratamento. — Eles só não estão de acordo quanto ao regime — acrescentou.

— Não? — perguntou a sra. Sappleton num tom que ainda em tempo substituiu um bocejo.

Depois, de repente, seu rosto se aclarou num ar de atenção, mas não àquilo que Framton dizia.

— Afinal chegaram! — exclamou. — Justo à hora do chá. Mas não vê que estão cheios de lama até os olhos?

Framton estremeceu de leve e voltou-se para a sobrinha com um olhar destinado a comunicar-lhe uma compreensiva solidariedade. A mocinha estava com os olhos fixos na porta, cheios de horror e estupefação. Num frio choque de medo inominável, Framton virou-se na sua poltrona e olhou para a mesma direção.

No crepúsculo cada vez mais escuro três vultos atravessavam o relvado em direitura à porta; os três sobraçavam espingardas, e um deles tinha também uma capa branca, pendente de um dos ombros. Um sabujo castanho, cansado, seguia-lhe as pegadas. Sem barulho chegaram à casa, até que uma voz moça e rouca se pôs a cantar no lusco-fusco: — “Bertie, por que estás pulando?”

Framton agarrou compulsivamente a bengala e o chapéu; a porta do vestíbulo, o passeio de cascalho e o portão da frente foram as etapas confusamente notadas de sua precipitada fuga. Um ciclista que vinha pela estrada teve de se encostar à cerca para evitar uma colisão.

— Chegamos, querida — disse o da capa branca entrando pela porta. — Estamos cheios de lama, mas quase toda seca. Mas quem foi que fugiu daqui à nossa chegada?

— Um homem esquisitíssimo, um certo sr. Nuttel — disse a sra. Sappleton. — Só sabia falar das próprias doenças, e sumiu sem uma palavra de adeus ou de desculpa quando vocês entraram. Dir-se-ia que viu um fantasma.

— Parece-me que foi o sabujo — disse calmamente a sobrinha. — Ele me contou que tinha horror a tudo quanto é cachorro. Certa vez foi perseguido, num cemitério lá nas margens do Ganges, por uma matilha de cães párias, e teve de passar a noite numa cova recém-aberta, com os bichos a rosnar, a espumar, a arreganhar os dentes para ele. O bastante para a gente ficar com os nervos abalados.

Ela estava-se especializando em improvisar histórias.


***

A bibliografia de Saki comporta alguns volumes de contos: Reginaldo; Reginaldo na Rússia; As crônicas de Clóvis; Bichos e superbichos (1914); um romance: O insuportável Bassington; uma sátira política: Alice em Westminster; e um único “livro sério”: A ascensão do império russo.

“Unindo a agudo senso do ridículo o talento da sátira mordaz e até amarga”,45 encontrou Saki na alta sociedade inglesa matéria abundante para os seus contos. Os passatempos frívolos dessa classe — o jogo, a caça, o turfe, as reuniões sociais — eram alvos preferidos do escritor, que os ridicularizava sem poder esconder de todo a ternura que aquele ambiente, o seu, apesar de tudo lhe inspirava. 

(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai - Mar de Histórias, vol. 9).


sexta-feira, 24 de março de 2017

Lucrécio, Poeta - conto de Marcel Schwob


Marcel Schwob

LUCRÉCIO, POETA



Lucrécio veio ao mundo numa grande família que se retirara da vida social. Seus primeiros dias receberam a sombra do negro pórtico de uma casa alta erguida na montanha. O átrio era severo; os escravos, mudos. Desde cedo o adolescente se viu cercado pelo desprezo da política e dos homens. O nobre Mêmio, que tinha a mesma idade, participou, na floresta, dos jogos que Lucrécio lhe impusera. Juntos, os dois admiraram as rugas das velhas árvores, e espiaram o tremor das folhas ao sol, como um víride véu de luz juncado de manchas de ouro. Muitas vezes contemplaram as costas listradas dos porcos selvagens que fossavam o solo. Atravessaram cachos frementes de abelhas e bandos de formigas em marcha. E certo dia, ao saírem de uma mata de corte, chegaram a uma clareira rodeada de antigos sobros, assentados tão estreitamente que o círculo deles escavava no céu um poço de azul. A paz desse asilo era infinita. Dir-se-ia uma longa estrada clara que ia para o alto do divino ar. Aí foi que Lucrécio teve, num relance, a bênção dos espaços calmos.

Em companhia de Mêmio, deixou o templo sereno da floresta para estudar eloquência em Roma. O antigo fidalgo que governava o solar deu-lhe um professor grego e determinou que só voltasse quando possuísse a arte de desprezar as ações humanas. Lucrécio não tornou a vê-lo: morreu solitário, execrando o tumulto da sociedade. Ao regressar, o jovem trazia para o átrio severo e para o meio dos mudos escravos do solar vazio uma africana linda, bárbara e má. Mêmio regressara à casa dos pais. Lucrécio tinha visto as facções sanguinárias, as guerras dos partidos e a corrupção política. Estava apaixonado.

E, a princípio, a sua vida foi enfeitiçada. Contra as tapeçarias das paredes a africana apoiava as onduladas massas da sua cabeleira. Todo o seu corpo desposara longamente os repousos do leito. Com os braços carregados de esmeraldas translúcidas cingia as ânforas cheias de vinhos espumantes. Tinha um modo estranho de levantar o dedo e de sacudir a testa. Seus sorrisos provinham de uma fonte misteriosa e funda como os rios da África. Em vez de fiar a lã, lacerava-a paciente em farfalhas que lhe esvoaçavam em redor.

Lucrécio desejava ardentemente fundir-se naquele belo corpo. Apertava-lhe os seios metálicos e colava os lábios àqueles lábios de um roxo sombrio. As palavras de amor passaram de um para o outro, foram suspiradas, fizeram-nos rir, e gastaram-se. Os dois tocaram no véu flexível e opaco que separa os amantes. A sua volúpia cresceu em furor e desejou mudar de pessoa. Chegou ao extremo agudo em que se expande à volta da carne, sem penetrar nas entranhas. A africana enroscou-se-lhe dentro do coração selvagem. Lucrécio desesperou-se por não poder realizar o amor. A mulher tornou-se altiva, sombria e silenciosa, tal qual o átrio e os escravos. Lucrécio errou pela sala dos livros.

Foi então que desdobrou o rolo onde um escriba copiara o tratado de Epicuro.

Imediatamente compreendeu ele a variedade das coisas deste mundo e a inutilidade de aspirar às ideias. O Universo pareceu-lhe semelhante às farfalhas de lã que os dedos da africana espalhavam pelas salas. Os cachos de abelhas e as colunas de formigas e o tecido móbil das folhas foram para ele agrupamentos de átomos, e em todo o corpo sentiu um povo invisível e discorde, ávido de separar-se. E os olhares pareceram-lhe raios, mais sutilmente carnudos, e a imagem da linda bárbara, um mosaico agradável e colorido, e teve a sensação de que o fim do movimento dessa infinidade era triste e vão. Assim como às facções ensanguentadas de Roma, com suas tropas de clientes armados e insultadores, contemplou o torvelinho de rebanhos de átomos tintos do mesmo sangue e que disputam entre si uma obscura supremacia. E viu que a dissolução da morte era apenas a emancipação dessa turba turbulenta que se atira a mil outros movimentos inúteis.

Ora, mal recebeu Lucrécio essa instrução do rolo de papiro onde as palavras gregas se achavam entretecidas, como os átomos do mundo, saiu à floresta pelo negro pórtico da casa solarenga dos antepassados. E avistou o dorso dos porcos listrados que tinham o focinho sempre dirigido para a terra. Depois, atravessando a mata de corte, súbito se encontrou no meio do templo sereno da floresta, e seus olhos penetraram no poço azul do céu. Foi ali que fixou o seu descanso.

Dali contemplou a imensidade formigante do Universo: todas as pedras, todas as plantas, todas as árvores, todos os animais, todos os homens com as suas cores, as suas paixões, os seus instrumentos, e a história dessas coisas diversas, e seu nascimento, e suas doenças, e sua morte. E, no meio da morte total e necessária, percebeu claro a morte única da africana, e chorou.

Sabia que as lágrimas vêm de um movimento particular das glandulazinhas dispostas sob as pálpebras e agitadas por uma procissão de átomos saídos do coração, quando o próprio coração sofreu o choque duma sucessão de imagens coloridas que se desprendem da superfície do corpo da amada. Sabia que o amor não é devido senão a uma intumescência de átomos desejosos de se juntar a outros átomos. Sabia que a tristeza causada pela morte não passa da pior das ilusões terrestres, pois a morta cessara de ser infeliz e de sofrer, enquanto aquele que a chorava se afligia com os seus próprios males e sonhava tenebrosamente com a própria morte. Sabia que de nós não resta nenhum simulacro duplo para verter lágrimas sobre o próprio cadáver estendido a nossos pés. Mas, conhecendo exatamente a tristeza e o amor e a morte, e sabendo que estes são imagens vãs quando as contemplamos do espaço calmo a que nos devemos recolher, continuou a chorar, a desejar o amor e a temer a morte.

Eis por que, de regresso à casa alta e sombria dos antepassados, se aproximou da bela africana, que estava preparando uma beberagem numa panela de metal em cima de um braseiro. De fato, ela por sua vez também sonhara, e seus pensamentos remontaram à fonte misteriosa do seu sorriso. Lucrécio contemplou a beberagem ainda fervente, que aos poucos foi clareando e se tornou semelhante a um céu verde e turvo. E a bela africana sacudiu a cabeça e levantou o dedo. Então Lucrécio bebeu o filtro. E imediatamente a razão lhe fugiu, e ele esqueceu todas as palavras gregas do rolo de papiro. E pela primeira vez conheceu o amor, sendo louco; e durante a noite, tendo sido envenenado, conheceu a morte.

***

Mayer André Marcel Schwob, known as Marcel Schwob (23 August 1867 – 26 February 1905), was a Jewish French symbolist writer best known for his short stories and his literary influence on authors such as Jorge Luis Borges and Roberto Bolaño. He has been called a "surrealist precursor". In addition to over a hundred short stories, he wrote journalistic articles, essays, biographies, literary reviews and analysis, translations and plays. He was extremely well known and respected during his life and notably befriended a great numbers of intellectuals and artists of the time. Wikipedia: Marcel_Schwob.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Franz Kafka - Sobre os livros


Franz Kafka - Sobre os livros

Deveríamos apenas ler livros que nos mordem e espicaçam. Se a obra que lemos não nos desperta com um golpe de punho sobre o crânio, qual é a vantagem de a ler? Para que nos torne felizes, como afirmas? Meu Deus, seríamos da mesma forma felizes se não tivéssemos livro. E os livros que nos deixam felizes, a rigor, poderíamos escrevê-los nós mesmos. Em contrapartida, precisamos de livros que sobre nós atuem de modo igual a uma desgraça; que nos façam sofrer muito, como a morte de quem amássemos mais do que a nós mesmos, como um suicídio. Um livro deve ser o machado que rompe o mar gelado existente em cada um de nós. 

***

Carta a Oskar Pollak, de 27 de janeiro de 1904. In: NUNES, Danillo. Franz Kafka: vida heroica de um anti-herói. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1974. p. 167-168.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Cozinha #LONDRIX - #Gastronomia #Literatura


Quarta, dia 15/02, às 20 horas no Museu Histórico de Londrina.

MESA "COZINHA LONDRIX"

O chef Marcello Sokolowski , a nutricionista Valéria Arruda Mortara e o escritor Herman Schmitz se reúnem pra botar na mesa as misturas e as influências da literatura e da gastronomia.

Um banquete pra quem ama literatura e comida boa!

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Retratos de Escritores — André Gide

André Gide (1869 - 1951) perto de Ascona, Suíça, 1947.



Escritor Francês, ganhador do prêmio Nobel de literatura em 1947. A obra de Gide está essencialmente consagrada a exploração do EU. Excelente narrador. 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Leitores e Livros - Julio Cortázar

Leitores e Livros

A técnica consistia em marcar encontros vagos num bairro a uma certa hora. Eles gostavam de desafiar o perigo de não se encontrarem, de passarem o dia sozinhos, metidos num café ou sentados num banco de praça, lendo-um-livro-a-mais. A teoria do livro-a-mais era de Oliveira, e a Maga aceitara-a por pura osmose. Na realidade, para ela quase todos os livros eram livros-de-menos, a não ser que, de repente, quisesse encher-se de uma imensa sede e durante um tempo infinito (calculável entre três e cinco anos) ler as obras completas de Goethe, Homero, Dylan Thomas, Mauriac, Faulkner, Baudelaire, Roberto Arlt, Santo Agostinho e outros autores cujos nomes a sobressaltavam nos bate-papos do clube. A isso Oliveira respondia sempre com um desdenhoso encolher de ombros, falando das deformações rioplatenses, de uma raça de leitores de tempo integral, de bibliotecas pululantes de sabichões infiéis ao sol e ao amor, de casas onde o cheiro de tinta de imprensa acaba com a alegria do alho. Nesses tempos, lia pouco, muito ocupado em olhar para as árvores, os insetos que encontrava no chão, os filmes amarelados da Cinemateca e as mulheres do bairro latino. As suas vagas tendências intelectuais resolviam-se em meditações sem proveito, e, quando a Maga lhe pedia ajuda, uma data ou uma explicação, ele dava a informação de má vontade, como se fosse algo inútil. "Mas isso é porque você já sabe tudo", dizia a Maga, ressentida. Então, ele se dava o trabalho de indicar a diferença entre conhecer e saber, propondo-lhe exercícios de indagação individual que a Maga não cumpria e que a desesperavam.

*Julio Cortázar, O Jogo da Amarelinha (Rayuela).