quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O Piano Coquetel — Boris Vian (fragmento)


O PIANO COQUETEL


- Quer um aperitivo? - perguntou Colin. - Meu pianoquetel está pronto, você pode experimentar.

- Funciona? - perguntou Chick.

- Perfeitamente. Foi difícil acertar o ponto, mas o resultado está além do que eu esperava. Consegui, a partir de "Black and Tan Fantasy", uma mistura realmente assombrosa.

- Qual é o princípio? - perguntou Chick.

- A cada nota - disse Colin - faço corresponder uma bebida, um licor ou um aromatizante. O pedal forte corresponde a um ovo batido, e o pedal doce, ao gelo. Para a soda, basta um toque no registro agudo. As quantidades são calculadas na razão direta da duração: à semifusa equivale um dezesseis avos de dose, à semínima uma unidade, à semibreve o quádruplo da dose. Quando tocamos uma peça lenta, aciona-se um sistema de registro de modo que a quantidade não seja aumentada, o que daria um coquetel grande demais, mas o teor de álcool, sim. E, de acordo com a duração da peça, podemos, se quisermos, fazer variar o valor da dose, reduzindo-a, por exemplo, a um centésimo, para obter uma bebida que leve em conta todas as harmonias, por meio de uma regulagem lateral.

- É complicado - disse Chick.

- O conjunto é comandado por contatos elétricos e relés. Não vou te dar detalhes, você sabe do que eu estou falando. E, além do mais, o piano funciona de verdade.

- É maravilhoso! - disse Chick.

- Só tem uma coisa chata - disse Colin -, é o pedal forte para o ovo batido. Precisei pôr um sistema de engate especial, porque, ao tocar um música mais hot, vêm uns pedaços de omelete no coquetel, é difícil de engolir. Vou mudar isso aí. Por enquanto, é só prestar atenção. Para creme de leite, sol grave.

- Vou fazer um "Loveless Love" - disse Chick. - Vai ser demais.

- Ainda está no meio do muquifo que virou minha oficina - disse Colin -, porque as placas de proteção ainda não estão parafusadas. Vem, vamos lá. Vou ajustar para dois coquetéis de uns duzentos mililitros, só para começar.

Chick foi para o piano. Ao fim da peça, uma parte do painel da frente se abriu num golpe seco e apareceu uma fileira de vidros. Dois deles estavam cheios até a boca de uma mistura apetitosa.

- Fiquei com medo - disse Colin. - Teve uma hora em que você tocou uma nota errada. Felizmente, estava na harmonia.

- Isso aí considera a harmonia? - disse Chick.

- Não completamente - disse Colin. - Seria complicado demais. Só tem alguns recursos. Bebe e vem pra mesa.


Boris Vian, A Espuma dos Dias, 1947.

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